segunda-feira, 21 de agosto de 2017

COMO VOCÊ INTERPRETA?! – XXI
 
No início do capítulo 29 – “A Visão de Francisco” –, de “Nosso Lar”, André Luiz, conforme dissemos, recebe uma ligação ao aparelho de “comunicações urbanas”, ou, em outras palavras, ao nosso velho e útil telefone com fio. Era Laura, a mãezinha de Lísias, que desejava as suas notícias, já que ele não voltara para casa – voltamos a frisar que a comunicação entre ambos não aconteceu telepaticamente, mas sim através da palavra articulada.
Ao telefone, a simpática matrona lhe diz: “Muito bem, meu filho! apaixone-se pelo seu trabalho, embriague-se de serviço útil. Somente assim, atenderemos à nossa edificação eterna. Lembre-se, porém, que esta casa também lhe pertence.”
Reflitamos sobre como, em obediência aos Desígnios Superiores, as coisas acontecem: muito provavelmente, André Luiz não fora parar na casa de Lísias e sua mãe por obra do acaso, posto o acaso não existe nem mesmo aqui, ou muito menos aqui, na Vida além da morte. Chico Xavier, quando encarnado, ao informar sobre a reencarnação de Emmanuel – ele sempre se referia ao fato com muita discrição –, dizia que Emmanuel haveria de descender da família de Laura e Ricardo, que, segundo ele, seriam seus avós. Claro, igualmente, está que, André Luiz, através da mediunidade de Chico, não se ligaria à Obra de Emmanuel por mero acidente de percurso.
*
Bem, vamos lá.
Um rapaz, internado num dos Pavilhões das “Câmaras de Retificação”, começara a gritar, e Narcisa se mobilizara para atendê-lo. Era Francisco, que, alucinado, se referia à visão que estava tendo de um “monstro”, assim dizendo: “Irmã Narcisa, lá vem ‘ele!’, o ‘monstro! Sinto os vermes novamente! ‘Ele!’ ‘Ele!...’ Livre-me ‘dele’, irmã! não quero, não quero!...” O “monstro”, referido por Francisco, era a visão de seu próprio corpo já em adiantado estado de decomposição...
Narcisa, então, assim explica o fenômeno a André: “O pobrezinho era excessivamente apegado ao corpo físico e veio para a esfera espiritual após um desastre, oriundo de pura imprudência. Esteve, durante muitos dias, ao lado dos despojos, em pleno sepulcro, sem se conformar com situação diversa. Queria firmemente levantar o corpo hirto, tal o império da ilusão em que vivera e, nesse triste esforço, gastou muito tempo.” 
Antes de prosseguir, permitam-me narrar o que, em certa ocasião, Chico contou aos amigos.
Chico tinha o hábito de orar no cemitério – sempre que podia, a fim, talvez, de não ser incomodado em suas preces e reflexões, Chico se dirigia ao chamado “campo santo”. Numa dessas visitas ao cemitério, em tarde muito chuvosa, Chico se deparou com a figura de um homem ao pé de um túmulo. Ele estava de chapéu, envergando uma capa escura que lhe caía, praticamente, até aos tornozelos – usava botinas pesadas, próprias para quem trabalha em terreno lamacento. O médium, contudo, percebeu que aquele homem, um espírito fora do corpo, estava cheirando à bebida – estava alcoolizado! Ambos, então, começaram a conversar com naturalidade, pois Chico sempre dialogava com os “mortos” com a mesma espontaneidade que conversava com os “vivos”.
- Meu irmão – perguntou-lhe Chico, no rápido diálogo que se desdobrou –, o quê está fazendo aqui, debaixo dessa chuva?...
- Eu trabalho aqui! – respondeu apontando para uma das covas.
- O senhor é coveiro?! – tornou o médium com simplicidade.
- Não! – replicou o espírito daquele homem que, segundo Chico, era muito alto e robusto. – Eu pulo aí dentro para tirar quem não quer sair... É por esse motivo que eu bebo! O mau cheiro é muito forte! Se eu não beber, eu não aguento!...
*
Quanta coisa, para os espíritos, existe no primeiro “ensaio de movimento”, além da matéria densa, que os homens encarnados desconhecem, não é mesmo?! Quem poderia imaginar a existência de coveiros “às avessas”, trabalhando no Mundo Espiritual, “desenterrando os espíritos” excessivamente apegados à forma que se deteriora?!...
Francisco, o personagem de André Luiz no capítulo em estudo, havia deixado o corpo num desastre – certamente, quando ainda contava viver mais longamente na Terra, sem qualquer preocupação de ordem transcendente. Narcisa, em sua preciosa elucidação, acrescentou que o rapaz “amedrontava-se com a ideia de enfrentar o desconhecido e não conseguia acumular nem mesmo alguns átomos de desapego às sensações físicas.”
Acreditem: para a esmagadora maioria dos que deixam o corpo físico, pelo fenômeno da desencarnação, morrer representa o mesmo que, em trajes menores, alguém ver-se numa praia, diante do mar infinito que se sente impelido a enfrentar, mas que, sem saber nadar ou nadando mal, sequer ousa tirar os pés da areia!...
 
INÁCIO FERREIRA
 
Uberaba – MG, 21 de agosto de 2017.