segunda-feira, 17 de agosto de 2020

“MANCHA” – O GATO


Eu tive um gato –
Diferente dos demais,
Dos de casa e do Sanatório...
Um gato arisco,
Desconfiado,
Olhar esquivo...
Os outros, não –
Vinham para o meu colo,
Passeavam sobre a mesa do escritório,
Esfregavam em mim
O seu rabo –
Queriam carinho,
Olhar meigo –
Ronronavam e...
Fumavam comigo
Os meus cigarros de papel,
Ou de palha...
O outro, descendente, talvez,
De um chacal,
Ou de um cachorro-do-mato,
Era um gato que me preocupava...
De quando a quando,
Em minhas loucuras,
Eu falava com ele:
- “Mancha” – era o seu nome –,
Que tipo de gente
Você há de ser, quando crescer –
Quando você “virar” gente!...
Ele ficava me olhando,
Não sei se com vontade
De saltar sobre o meu pescoço,
Pegando-me pela jugular...
Nunca se misturava com os outros,
Batia nas gatinhas
Das quais abusava – violentando-as...
Tinha atum à sua disposição,
Mas preferia dilacerar as rolinhas
E as pombas,
E os pintainhos, do quintal da vizinha...
“Mancha” era o único
Que defecava dentro de casa –
De propósito, creio!...
Com toda a minha parca Psiquiatria,
Eu não conseguia
Desvendar o seu psiquismo...
Um dia, contei para o Chico –
Para o Chico Xavier – sobre o “Mancha”...
Ele ouviu-me e respondeu,
Franzindo a testa:
- Ah, Doutor, tudo começa aí,
Lá atrás!...
A verdade é que eu nunca
Consegui cativar o “Mancha” –
Ganhar a confiança dele...
Sinceramente, eu penso
Que existem espíritos assim –
Irmãos do “Mancha” –
Irmão siameses...
Não querem abdicar do instinto
Pela razão...
Trocam de corpo,
Mas não mudam a alma...
Questão de escolha, de preferência?!
Não sei...
Nunca mais vi o “Mancha”,
Depois que ele, primeiro, e eu, depois,
Batemos as botas...
No entanto, quando me deparo,
Na Terra,
Com alguém estranho,
Muito estranho,
Olhar esquivo,
Exigente,
Violento,
Quase mau,
Parecendo ter
Uma raiva crônica do Criador,
- Eu sei que não houve tempo
Hábil para tanto! –
Eu penso assim:
- Meu Deus, esse homem
Talvez seja a reencarnação do “Mancha”!...

INÁCIO FERREIRA

Uberaba – MG, 17 de Agosto de 2020.