domingo, 4 de abril de 2021

 

Paulo, o Pedinte – II

 

- Pega, ou larga?! – insisti ante a hesitação de Paulo.

- Decidir assim, tão depressa?! – retrucou. – A gente tem que ter um tempo para pensar... Eu pensei que...

- Pensou o quê, meu caro?!

- Que morrer seria diferente... Pensei que a gente fosse descansar...

- Você descansou a existência inteira... Em que trabalhou?! Conte-me...

- Bem, eu... Nunca fui assim de ficar num serviço só... Ficava uns tempos num, uns tempos noutro...

- Paulo...

- Depois de desencarnar, a gente tem que trabalhar mesmo, Doutor, para valer?! O senhor deve estar brincando...

- Olhe para a minha cara...

- O senhor, não nego, é uma pessoa muito simpática – não se trata de beleza, beleza, mas...

- Pega, ou larga?!...

- A vassoura?!...

- A vassoura, e o lápis!...

- O lápis também?! Não, Doutor, o lápis?!...

- Trabalhar e estudar...

- Para que saber assinar mais que o próprio nome?! Doutor, quanto mais a gente conhece, mais a gente sofre...

- Prefere a rua, não é?!...

- Tenho muitos amigos... Quando eu me canso, onde estiver, paro, deito e durmo – debaixo de uma marquise, da sombra de uma árvore...

Fez uma pausa e falou:

- Tenho o que comer... As pessoas são boas, generosas... Sempre ganho um lanche, uns trocados... Eu não sei... O mundo dos homens é muito complicado – na rua, eu vivo em paz...

- Complicado?!...

- Os que moram na Casa de Deus bagunçam demais... Ambição, orgulho, uma briga sem fim...

- Você não está fora da Casa de Deus – ninguém está! Você é um de seus inquilinos, e não quer pagar o aluguel...

- Aluguel?!...

- Paulo, o que você tem dado em troca pelo ar que respira, pela luz do Sol e, até mesmo, pela beleza das flores?! Conte-me...

- Uai, eu usufruo...

- Não se sente devedor?! Não percebe que o Cristo, o Pedinte dos Pedintes, está de mãos estendidas para você?! O que você já lhe deu?! Quantas moedas de sua boa vontade para colaborar com Ele na construção do Mundo Melhor?!...

- Eu não tenho nada...

- Que vergonha, Paulo! Você tem coragem de dizer que não tem nada... O egoísmo não ataca apenas quem tem dinheiro, não! O egoísmo é a pior das doenças que conheço...

- Não dou prejuízo a ninguém, nunca fiz mal a ninguém...

- E bem?! Você faz o bem?! Responda-me em sã consciência...

- Não faço o mal...

- Não é suficiente... Os omissos se omitem em favor do mal, e não em favor do bem...

- O senhor aperta muito a gente...

- Pega, ou larga?!...

- A vassoura, e o lápis?! – tornou a perguntar. – Os dois de uma vez...

- De uma vez só... Claro, você tem a opção de continuar vagando e... sofrendo!...

- Eu não sofro, Doutor?!...

- Não?!...

Paulo, pela primeira vez, chorou, e, começando a chorar, chorou como raramente tenho visto um homem chorar – com muitos anos de treino, sentou-se com facilidade no chão e, levando as mãos às faces, chorou feito uma criança crescida, que é o que o homem é...

Deixando que ele vertesse o rio das lágrimas que trazia represado no coração, puxei uma cadeira, sentei e... esperei.

 

INÁCIO FERREIRA

 

Uberaba – MG, 4 de Abril de 2021.