KARDEC, ANTES DE SER
CHICO
Sabemos, aqui na Vida Maior, que logo após a sua
desencarnação, ocorrida no dia 31 de março de 1869, Allan Kardec conduziu-se,
nas Altas Esferas, à presença do Senhor.
Diante do Mestre, o Discípulo Amado, postando-se de joelhos,
se mostrou incapaz de dizer palavra. Havia lágrimas em seus olhos muito
lúcidos, e, então, lhe pousando a destra sobre o ombro, o Senhor perguntou:
- João, por que choras?!...
O pranto do fiel lidador da Verdade, que laborara, na Terra,
para restaurar o Cristianismo em sua lídima pureza, fez-se mais copioso, e ante
o seu compreensível silêncio, o Cristo tornou a indagar, insistindo:
- Por que choras, João?!...
Não ousando levantar os olhos, e tampouco erguer-se do chão
luminoso em que se prostrara, Kardec respondeu com a humildade dos grandes
espíritos:
- Senhor, não pude fazer mais...
- Fizeste o necessário – redarguiu Jesus. – No entanto, sabes
que, em breve, deverás voltar...
- Estarei pronto?! – inquiriu o sábio lionês.
- Sempre estiveste e sempre estarás, João – respondeu o
Mestre, no diálogo que entre ambos se desdobrou, sucinto.
- Ainda para escrever?!...
- Para escrever ainda!...
- Novos livros?!...
- Livros e exemplos?!...
Com voz trêmula, o Codificador ponderou, dirigindo-se à
sublime luz que, à sua frente, tomara a forma humana do inesquecível Nazareno:
- Certamente dispões, Senhor, de alguém mais apto ao novo
tentame, que, com sinceridade, sinto além de minhas escassas possibilidades...
- No entanto, quer meu Pai que a tarefa continue sendo tua...
Kardec, neste momento, em sinal de extrema submissão,
inclinou mais a cabeça, que chegou a tocar o chão em que aquela luz esplendia,
em ambiente etéreo que o verbo humano, por mais se esmerasse, seria incapaz de
descrever.
- Virás comigo, João – ordenou o Senhor. – Subiremos... E, durante
algum tempo, estagiarás ao meu lado, ampliando a sua já vasta capacidade
receptiva... Agora, muitos deverão escrever pela tua mão... No entanto, deverás
ter o espírito impregnado de tudo o que escreverem[U1] ... Já te esqueceste que aprender é recordar?! – perguntou Jesus,
esboçando um sorriso divino.
- Quem escreverá, Mestre?!...
- Os mortos, João,
os mortos – uma legião deles! A
Falange que, escrevendo por outras mãos, te inspirou na Codificação, agora escreverá
por tua própria mão, e outros tantos mais escreverão, centenas...
- ?!...
- Serás médium, João! – esclareceu o Senhor, que,
estendendo-lhe os braços, fez com o Apóstolo se levantasse e, arrebatando-o,
dirigiu-se, em sua companhia, para Dimensão ignota, na qual, durante quarenta
anos, antes de tomar um novo corpo, ele deveria permanecer estagiando para dar
sequência à nobre missão.
E no alvorecer do próximo século, em 1910, qual o próprio
Codificador previra em nota de sua lavra, ele retorna à liça, recebendo o nome
de Francisco de Paula Cândido, ou Francisco Cândido Xavier, que se faria, no
Brasil e no mundo, conhecido simplesmente por “Chico Xavier”.
INÁCIO FERREIRA
Uberaba – MG, 23 de Fevereiro de 2020.