domingo, 26 de julho de 2020


PEDAÇOS DE MIM

Pedaços do que fui,
Jazem, ao pó,
Por toda parte
Da Terra,
Que, tantas vezes, tem sido
O meu berço e o meu túmulo...
Recuando no tempo,
Anoto os rastros meus,
Talvez, ao lado dos seus,
Na areia, ao sol escaldante,
E na neve,
Ao frio enregelante,
Nas montanhas, nas estepes...
Cadáveres do que fui
E que, de certa forma,
Ainda sou...
Servi de alimento
Para vermes e abutres,
Hienas e chacais,
Mas também, em eras primaveris,
Para algumas flores,
Abelhas, colibris...
Vejo-me na selva,
Na tribo,
E, depois, nas ocas e tabas,
Povoados,
Aldeias e cidades –
Na Ásia, e na Europa
De imensas florestas,
Que não existem mais...
Ouço-me, mas...
Não entendo sequer
O que eu mesmo digo –
Palavras mortas,
Mortos idiomas –
Uma Torre de Babel,
Lologramas e hieróglifos...
Pigmentação?!
Tenho as do arco-íris
Em minha pele...
Sexualidade?!
Macho e fêmea,
Andrógino –
Sou filho do Caos,
O deus grego
Da Origem...
Fui amamentado,
Amamentei,
Quantas vezes, nem sei...
Pedaços de mim –
Restos do “eu” que expeli,
Que deixei, mas...
Dos quais não me livrei...
Recuo um pouco mais –
Nem sequer sou gente,
Sou apenas vivente –
Um bicho,
Serpente,
Ave de rapina,
Felino, chimpanzé...
Trago tudo isso
Dentro de mim...
Vida sem fim,
Sem começo – eterna!...
Onde estou agora,
Aqui, no Além,
Igualmente, já deixei,
E deixarei,
Muitos pedaços d’eu!...
Piso e pisoteio, sem cessar,
O meu próprio
E a minha vaidade...
Escarro em minha boca
Escancarada,
Desdentada...
Ascendo?! Sim, ascendo –
É da Lei –,
Porém, não acendo,
Dentro da treva que sou
Sequer a luz
De um pobre vagalume...
Muitas vidas
E lidas,
Entre idas e vindas,
Infindas!...

INÁCIO FERREIRA

Uberaba – MG, 27 de Julho de 2020.