domingo, 7 de março de 2021

 

Gatos e Ratos

 

Foi no comecinho da década de 60...

Os gatos que residiam conosco, no Sanatório, haviam sido acometidos por uma epidemia – grave desarranjo intestinal – e, infelizmente, vieram todos, um a um, a desencarnar... Em vão, tentamos todos os recursos a fim de impedir que passassem para o Outro Lado, inclusive utilizando a terapêutica do passe e da água fluidificada.

Os fundos do Sanatório se transformou num pequeno cemitério, com várias cruzes, sobre as covas que eu e o Manoel Roberto fazíamos questão de cavar com um enxadão, na terra úmida.

Fiquei muito aborrecido e cheguei a dizer ao Manoel e à Modesta que não queria mais bichanos no Sanatório, porque a gente se apegava e depois...

O tempo passou, talvez uns quatro, cinco meses, e, de quando em vez, um dava um passeio lá pelo “cemitério”, murmurando algumas palavras com o propósito de prece, com alguns funcionários imaginando que, por conversar sozinho, eu logo seria candidato a uma das celas reforçadas no porão do hospital.

Um dia, estando no escritório, enrolando um cigarro de palha, recebi a visita da cozinheira que pedia permissão para dois dedos de prosa comigo.

- Licença, Doutor! – solicitou a simpática auxiliar, sempre com um pano muito alvo a lhe prender os cabelos.

- O que houve?! – perguntei. – Acabou o feijão?!...

- Não, Doutor – respondeu-me –, são os ratos...

- Que ratos?! O único que conheço por aqui, com trânsito livre por toda parte, é o Manoel... O que ele anda aprontando?!...

- Não, Doutor, não é o sr. Manoel, não – explicou-se, um tanto embaraçada. – São ratos, ratos mesmo – ratos e ratazanas, de todos os tamanhos... Estão dando na dispensa e atacando todo o estoque de alimentos... Tem um que, de tão grande, parece um gambá...

- Tem certeza de que não é o Manoel?! – indaguei, observando o amigo que chegava de uma de suas rondas pelos quartos.

- Eu o quê agora, Doutor?!... – questionou.

- Nada – redargui. – Estou recebendo uma denúncia de que os ratos, um do tamanho de um gambá, estão tomando conta do Sanatório...

- Desde que os bichanos morreram, Doutor – interveio a cozinheira. – Nem os ovos de galinha têm sido poupados... O que se parece com gambá mete medo na gente...

- Vamos providenciar ratoeiras (ops), jaulas, pois, pelo que você está dizendo... Bichanos, sinceramente, eu não quero mais aqui – desde que passamos por aquele gaticídio...

De fato, o Manoel deu um jeito de armar algumas ratoeiras, mas, a não ser um ou outro, nenhum dos maiores se interessava pelos nacos de queijo curado que, afinal, nenhum rato que se preza costuma rejeitar.

Os estragos na dispensa, e até na farmácia, continuaram acontecendo, até que, belo dia, ao chegar ao escritório, me deparei com um rato em cima de minha mesa, mexendo nas palhas de eu enrolar os meus cigarros...

- Agora – falei em voz alta –, o assunto muda de figura...

Chamei o Manoel e disse ao prestimoso colaborador:

- Sai aí pelas ruas, na vizinhança, e oferece serviço ao primeiro gato que encontrar... Compre umas latas de sardinha e leva um saco com você – quando ele estiver comendo, você captura o bichano, que, afinal, não deve pertencer a ninguém nas redondezas... Não me volte aqui sem um saco de gatos!...

Assim foi feito e, em breve, a paz voltou a reinar na dispensa do Sanatório e, também, sobre os maços de palha em minha mesa, no escritório.

Lembrei-me deste fato a propósito do aniversário de Chico Xavier que lá vem se aproximando, e que será comemorado no dia 2 de Abril – já quase 19 anos de sua desencarnação, ocorrida em 30 de junho de 2002!...

Foi só o Chico, esse “bichano” de Jesus Cristo, desencarnar, os ratos e as ratazanas, alguns do tamanho de um gambá, criados com tutu de feijão e vatapá, apareceram no dispensário da Doutrina Espírita e estão fazendo um verdadeiro estrago – roem o que podem e mijam por todo o lado, espalhando uma fedentina sem tamanho e ameaçando todo mundo com uma leptospirose federativa.

 

INÁCIO FERREIRA

 

Uberaba – MG, 7 de Março de 2021.