Gatos e Ratos
Foi no comecinho da década de 60...
Os gatos que residiam conosco, no Sanatório, haviam sido
acometidos por uma epidemia – grave desarranjo intestinal – e, infelizmente,
vieram todos, um a um, a desencarnar... Em vão, tentamos todos os recursos a
fim de impedir que passassem para o Outro Lado, inclusive utilizando a
terapêutica do passe e da água fluidificada.
Os fundos do Sanatório se transformou num pequeno cemitério,
com várias cruzes, sobre as covas que eu e o Manoel Roberto fazíamos questão de
cavar com um enxadão, na terra úmida.
Fiquei muito aborrecido e cheguei a dizer ao Manoel e à
Modesta que não queria mais bichanos no Sanatório, porque a gente se apegava e
depois...
O tempo passou, talvez uns quatro, cinco meses, e, de quando
em vez, um dava um passeio lá pelo “cemitério”, murmurando algumas palavras com
o propósito de prece, com alguns funcionários imaginando que, por conversar
sozinho, eu logo seria candidato a uma das celas reforçadas no porão do
hospital.
Um dia, estando no escritório, enrolando um cigarro de palha,
recebi a visita da cozinheira que pedia permissão para dois dedos de prosa
comigo.
- Licença, Doutor! – solicitou a simpática auxiliar, sempre
com um pano muito alvo a lhe prender os cabelos.
- O que houve?! – perguntei. – Acabou o feijão?!...
- Não, Doutor – respondeu-me –, são os ratos...
- Que ratos?! O único que conheço por aqui, com trânsito
livre por toda parte, é o Manoel... O que ele anda aprontando?!...
- Não, Doutor, não é o sr. Manoel, não – explicou-se, um
tanto embaraçada. – São ratos, ratos mesmo – ratos e ratazanas, de todos os
tamanhos... Estão dando na dispensa e atacando todo o estoque de alimentos...
Tem um que, de tão grande, parece um gambá...
- Tem certeza de que não é o Manoel?! – indaguei, observando
o amigo que chegava de uma de suas rondas pelos quartos.
- Eu o quê agora, Doutor?!... – questionou.
- Nada – redargui. – Estou recebendo uma denúncia de que os
ratos, um do tamanho de um gambá, estão tomando conta do Sanatório...
- Desde que os bichanos morreram, Doutor – interveio a
cozinheira. – Nem os ovos de galinha têm sido poupados... O que se parece com
gambá mete medo na gente...
- Vamos providenciar ratoeiras (ops), jaulas, pois, pelo que
você está dizendo... Bichanos, sinceramente, eu não quero mais aqui – desde que
passamos por aquele gaticídio...
De fato, o Manoel deu um jeito de armar algumas ratoeiras,
mas, a não ser um ou outro, nenhum dos maiores se interessava pelos nacos de
queijo curado que, afinal, nenhum rato que se preza costuma rejeitar.
Os estragos na dispensa, e até na farmácia, continuaram
acontecendo, até que, belo dia, ao chegar ao escritório, me deparei com um rato
em cima de minha mesa, mexendo nas palhas de eu enrolar os meus cigarros...
- Agora – falei em voz alta –, o assunto muda de figura...
Chamei o Manoel e disse ao prestimoso colaborador:
- Sai aí pelas ruas, na vizinhança, e oferece serviço ao
primeiro gato que encontrar... Compre umas latas de sardinha e leva um saco com
você – quando ele estiver comendo, você captura o bichano, que, afinal, não
deve pertencer a ninguém nas redondezas... Não me volte aqui sem um saco de
gatos!...
Assim foi feito e, em breve, a paz voltou a reinar na
dispensa do Sanatório e, também, sobre os maços de palha em minha mesa, no
escritório.
Lembrei-me deste fato a propósito do aniversário de Chico
Xavier que lá vem se aproximando, e que será comemorado no dia 2 de Abril – já
quase 19 anos de sua desencarnação, ocorrida em 30 de junho de 2002!...
Foi só o Chico, esse “bichano” de Jesus Cristo, desencarnar,
os ratos e as ratazanas, alguns do tamanho de um gambá, criados com tutu de
feijão e vatapá, apareceram no dispensário da Doutrina Espírita e estão fazendo
um verdadeiro estrago – roem o que podem e mijam por todo o lado, espalhando
uma fedentina sem tamanho e ameaçando todo mundo com uma leptospirose
federativa.
INÁCIO FERREIRA
Uberaba – MG, 7 de Março de 2021.