domingo, 14 de maio de 2023

Medo da Morte

 

Minha irmã, você me escreve: “Dr. Inácio, eu tenho um medo danado da morte... Tenho medo de morrer... O que faço, Doutor, para vencer esse medo que me consome?!...”

Eu vou dizer a você o seguinte: o medo da morte é o mais inútil de todos os medos, porque, afinal, com ele ou sem ele, um dia, você há de deixar o corpo, e, portanto, eu a aconselho a não ficar perdendo tempo com isso, porque, segundo você me diz, o medo da morte a está consumindo em vida...

Esqueça a morte, que não existe, e lembre-se da vida que você precisa viver no corpo, fazendo o melhor ao seu alcance, para que, amanhã ou depois, ou daqui a pouco, você não se transfira para cá como alguém que, por um receio inútil, acabou até tendo medo de dormir.

Na condição de médico, quando na Terra, tive ensejo de consultar algumas pessoas que tinham medo de dormir e... morrer dormindo!... Essas pessoas, na verdade, viviam dormindo, e, para acordar, tiveram que morrer, ou seja, deixar a carcaça espantados feito a criança que leva um tombo, rala os joelhos e sai correndo em busca do colo da mãe...

Não espere pela morte, minha cara, porque, no tempo que lhe aprouver, ela vai chegar, e você, provavelmente, nem vai se dar conta que... morreu!...

O assunto que parece trágico, não deixa de ser cômico, porque, deste Outro Lado, conversando com gente morridinha da silva – sem parentesco com o Manoel Roberto! –, anoto que eles ainda não perderam o medo de morrer, porque, agora, em vez de temer deixar o corpo, temem voltar a ele...

Então, o melhor é você seguir respirando enquanto pode e por onde pode, deixando esse pensamento inútil que a vem perturbando como se você, que já morreu tantas vezes, nunca tivesse morrido, e que já deveria ter se acostumado com essa operação de deixar a “casca” – cobra troca de casca várias vezes por ano, e, sendo assim, sinceramente, eu acho que a gente deveria morrer mais de uma vez em uma única existência no corpo... Pássaros trocam as penas e árvores trocam as folhas a cada ano, e nada, absolutamente nada, que você está vendo agora será exatamente igual ao seu próximo fechar e abrir os olhos...

Viva no corpo perecível não como você estivesse a se despedir do mundo, mas, sim, como você estivesse chegando e tivesse muito trabalho pela frente, vivendo cada minuto como se fosse a eternidade.

Não tome remédios para esse seu medo de morrer, porque apenas farão com que você durma mais do que está dormindo e, inutilmente, se entoque no corpo, de vez que a Dona Morte é especialista em desentocar a quem se encontra entocado como o mais hábil tatú é capaz de se entocar nas entranhas da terra...

Quando a morte, por fim, vier visitá-la, se, porventura, você tiver tempo para dar pela sua visita, receba-a com alegria e trate-a bem, porque, em geral, a morte é semelhante àquela mão benfeitora que abre a porta da gaiola e deixa o pássaro voar, retomando a liberdade...

Eu não vou aqui falar de transcendência com você e tentar convencê-la de sua própria imortalidade – se quiser que o assunto seja assim tratado, existem, por aí, na Terra, muitos livros à sua disposição.... Porém, de minha parte, prefiro exortá-la a deixar de perder tempo com o que não adianta, não integrando o número daqueles que gostaram tanto de morrer que não arredam pé do cemitério, vigiando por dias, semanas, meses e anos a fio os seus despojos!...

 

INÁCIO FERREIRA

 

Uberaba – MG, 14 de Maio de 2023.