Paulo, o Pedinte –
II
- Pega, ou larga?! – insisti ante a hesitação de Paulo.
- Decidir assim, tão depressa?! – retrucou. – A gente tem que
ter um tempo para pensar... Eu pensei que...
- Pensou o quê, meu caro?!
- Que morrer seria diferente... Pensei que a gente fosse
descansar...
- Você descansou a existência inteira... Em que trabalhou?!
Conte-me...
- Bem, eu... Nunca fui assim de ficar num serviço só...
Ficava uns tempos num, uns tempos noutro...
- Paulo...
- Depois de desencarnar, a gente tem que trabalhar mesmo,
Doutor, para valer?! O senhor deve estar brincando...
- Olhe para a minha cara...
- O senhor, não nego, é uma pessoa muito simpática – não se
trata de beleza, beleza, mas...
- Pega, ou larga?!...
- A vassoura?!...
- A vassoura, e o lápis!...
- O lápis também?! Não, Doutor, o lápis?!...
- Trabalhar e estudar...
- Para que saber assinar mais que o próprio nome?! Doutor,
quanto mais a gente conhece, mais a gente sofre...
- Prefere a rua, não é?!...
- Tenho muitos amigos... Quando eu me canso, onde estiver,
paro, deito e durmo – debaixo de uma marquise, da sombra de uma árvore...
Fez uma pausa e falou:
- Tenho o que comer... As pessoas são boas, generosas...
Sempre ganho um lanche, uns trocados... Eu não sei... O mundo dos homens é
muito complicado – na rua, eu vivo em paz...
- Complicado?!...
- Os que moram na Casa de Deus bagunçam demais... Ambição,
orgulho, uma briga sem fim...
- Você não está fora da Casa de Deus – ninguém está! Você é
um de seus inquilinos, e não quer pagar o aluguel...
- Aluguel?!...
- Paulo, o que você tem dado em troca pelo ar que respira,
pela luz do Sol e, até mesmo, pela beleza das flores?! Conte-me...
- Uai, eu usufruo...
- Não se sente devedor?! Não percebe que o Cristo, o Pedinte
dos Pedintes, está de mãos estendidas para você?! O que você já lhe deu?!
Quantas moedas de sua boa vontade para colaborar com Ele na construção do Mundo
Melhor?!...
- Eu não tenho nada...
- Que vergonha, Paulo! Você tem coragem de dizer que não tem
nada... O egoísmo não ataca apenas quem tem dinheiro, não! O egoísmo é a pior
das doenças que conheço...
- Não dou prejuízo a ninguém, nunca fiz mal a ninguém...
- E bem?! Você faz o bem?! Responda-me em sã consciência...
- Não faço o mal...
- Não é suficiente... Os omissos se omitem em favor do mal, e
não em favor do bem...
- O senhor aperta muito a gente...
- Pega, ou larga?!...
- A vassoura, e o lápis?! – tornou a perguntar. – Os dois de
uma vez...
- De uma vez só... Claro, você tem a opção de continuar
vagando e... sofrendo!...
- Eu não sofro, Doutor?!...
- Não?!...
Paulo, pela primeira vez, chorou, e, começando a chorar,
chorou como raramente tenho visto um homem chorar – com muitos anos de treino,
sentou-se com facilidade no chão e, levando as mãos às faces, chorou feito uma
criança crescida, que é o que o homem é...
Deixando que ele vertesse o rio das lágrimas que trazia
represado no coração, puxei uma cadeira, sentei e... esperei.
INÁCIO FERREIRA
Uberaba – MG, 4 de Abril de 2021.