Paulo, o Pedinte –
III
- Doutor, o senhor não fica com raiva de mim, não?! –
perguntou-me o pobre irmão, depois que enxugou as lágrimas com o lenço surrado
que lhe estendi.
- Raiva?! De você?! Claro que não...
- Eu não quero decepcioná-lo...
- Você não me decepciona, Paulo – respondi. – Decepção, eu
sempre tenho é comigo mesmo...
- Sabe o que é, Doutor...
- Sei...
- Não tenho como agradecer ao senhor...
- A mim, você não tem como, e nem o que agradecer mesmo –
repliquei. – A nossa gratidão deve ser sempre para com Jesus Cristo...
- Eu sei, eu sei... É modo de falar, Doutor, modo de falar...
Eu não tenho nada contra ninguém...
- Entendo...
- Sabe o que é, Doutor... – repetiu-se.
- Diga lá, meu caro... Não hesite tanto...
- Eu queria pedir um tempo...
- Paulo, eu não sou dono do tempo...
- Um tempinho só... Eu ainda não me sinto preparado...
- Compreendo...
- O senhor me propõe “pegar” ou “largar”... Não é que eu
queira largar...
- Você apenas não quer pegar...
- Mais ou menos...
- A vassoura, o lápis...
- Eu até que poderia ir com o senhor, mas... eu não vou
ficar...
- Você é livre...
- Gostaria de pensar mais...
- Bem, as portas foram abertas – oferecemos a você o que está
ao nosso alcance...
- Eu gosto da liberdade, da noite, de ver as estrelas no
céu...
- De dormir ao relento, de levantar-se...
- Sim, a hora que quiser, sem nenhuma obrigação, nem mesmo,
Doutor, a de lavar o rosto...
- Muito menos a de tomar banho, todos os dias – gracejei.
- Estou vivo, não estou?!...
- Vivíssimo!...
- Não morri, não é?!...
- E nem morrerá!...
- Então, Doutor, para que pressa?! Eu gosto de andar por
aí... Eu não sou do mal, Doutor?! Eu sou do bem!...
- Se você fosse do mal...
- Jesus buscou a Paulo de Tarso, não é?!...
- Buscou – respondi. – Espero que você não esteja esperando
que Ele venha buscar a você...
- Não, Doutor, não é isso... É que eu ainda não achei a minha
Estrada de Damasco – filosofou.
Houve uma pausa e Paulo tornou a perguntar:
- O senhor não fica com raiva de mim, e nem triste
comigo?!...
- Bem, um pouquinho triste, eu fico, sim...
- Fica não, Doutor... Se eu precisar, vou atrás do senhor...
- Posso não estar...
- Por quê?!...
- Tudo muda... Quem sabe, quando você me procurar, eu já
tenha voltado?!...
- Voltado?!...
- Sim, para a Terra...
- O senhor terá coragem?!...
Sorri da espontaneidade do amigo e indaguei:
- Sinceramente?!...
- Sim, sinceramente... O senhor teria coragem?!...
- Coragem, eu não teria, mas, se o Senhor mandar, eu tenho
que obedecer...
- Então...
- Então, Paulo, eu preciso ir andando – falei. – Você vai
ficar bem?!...
- Vou, Doutor, não se preocupe...
- É uma pena! – exclamei, lamentando.
- Não era uma vassoura e... um lápis?! – ironizou,
erguendo-se do chão e pegando uma bolsa com alguns poucos pertences.
- Estou me referindo a outro tipo de pena – frisei.
- Posso dar um abraço no senhor?!...
- Claro – respondi –, até dois, no máximo...
Abraçamo-nos e ele, com as suas pernas finas e a barba por
fazer, antes de ganhar a rua, perguntou-me:
- O senhor teria uns trocados?!...
INÁCIO FERREIRA
Uberaba – MG, 11 de Abril de 2021.