domingo, 11 de abril de 2021

 

Paulo, o Pedinte – III

 

- Doutor, o senhor não fica com raiva de mim, não?! – perguntou-me o pobre irmão, depois que enxugou as lágrimas com o lenço surrado que lhe estendi.

- Raiva?! De você?! Claro que não...

- Eu não quero decepcioná-lo...

- Você não me decepciona, Paulo – respondi. – Decepção, eu sempre tenho é comigo mesmo...

- Sabe o que é, Doutor...

- Sei...

- Não tenho como agradecer ao senhor...

- A mim, você não tem como, e nem o que agradecer mesmo – repliquei. – A nossa gratidão deve ser sempre para com Jesus Cristo...

- Eu sei, eu sei... É modo de falar, Doutor, modo de falar... Eu não tenho nada contra ninguém...

- Entendo...

- Sabe o que é, Doutor... – repetiu-se.

- Diga lá, meu caro... Não hesite tanto...

- Eu queria pedir um tempo...

- Paulo, eu não sou dono do tempo...

- Um tempinho só... Eu ainda não me sinto preparado...

- Compreendo...

- O senhor me propõe “pegar” ou “largar”... Não é que eu queira largar...

- Você apenas não quer pegar...

- Mais ou menos...

- A vassoura, o lápis...

- Eu até que poderia ir com o senhor, mas... eu não vou ficar...

- Você é livre...

- Gostaria de pensar mais...

- Bem, as portas foram abertas – oferecemos a você o que está ao nosso alcance...

- Eu gosto da liberdade, da noite, de ver as estrelas no céu...

- De dormir ao relento, de levantar-se...

- Sim, a hora que quiser, sem nenhuma obrigação, nem mesmo, Doutor, a de lavar o rosto...

- Muito menos a de tomar banho, todos os dias – gracejei.

- Estou vivo, não estou?!...

- Vivíssimo!...

- Não morri, não é?!...

- E nem morrerá!...

- Então, Doutor, para que pressa?! Eu gosto de andar por aí... Eu não sou do mal, Doutor?! Eu sou do bem!...

- Se você fosse do mal...

- Jesus buscou a Paulo de Tarso, não é?!...

- Buscou – respondi. – Espero que você não esteja esperando que Ele venha buscar a você...

- Não, Doutor, não é isso... É que eu ainda não achei a minha Estrada de Damasco – filosofou.

Houve uma pausa e Paulo tornou a perguntar:

- O senhor não fica com raiva de mim, e nem triste comigo?!...

- Bem, um pouquinho triste, eu fico, sim...

- Fica não, Doutor... Se eu precisar, vou atrás do senhor...

- Posso não estar...

- Por quê?!...

- Tudo muda... Quem sabe, quando você me procurar, eu já tenha voltado?!...

- Voltado?!...

- Sim, para a Terra...

- O senhor terá coragem?!...

Sorri da espontaneidade do amigo e indaguei:

- Sinceramente?!...

- Sim, sinceramente... O senhor teria coragem?!...

- Coragem, eu não teria, mas, se o Senhor mandar, eu tenho que obedecer...

- Então...

- Então, Paulo, eu preciso ir andando – falei. – Você vai ficar bem?!...

- Vou, Doutor, não se preocupe...

- É uma pena! – exclamei, lamentando.

- Não era uma vassoura e... um lápis?! – ironizou, erguendo-se do chão e pegando uma bolsa com alguns poucos pertences.

- Estou me referindo a outro tipo de pena – frisei.

- Posso dar um abraço no senhor?!...

- Claro – respondi –, até dois, no máximo...

Abraçamo-nos e ele, com as suas pernas finas e a barba por fazer, antes de ganhar a rua, perguntou-me:

- O senhor teria uns trocados?!...

 

INÁCIO FERREIRA

 

Uberaba – MG, 11 de Abril de 2021.